OITAVO DIA - Seu Fernando
Foi a primeira vez que fomos a um apartamento. Até agora, todos os pacientes visitados moravam em casas. Subimos até o terceiro andar e Bete tocou a campainha. Atendeu a porta a simpática e sorridente cuidadora Fátima. Seu Fernando tem 81 anos, teve um AVC há muito pouco tempo e está tendo uma rápida recuperação. Sua esposa não estava em casa, trabalha o dia todo, e o filho Daniel, de pouco mais de 20 anos, é quem cuida do pai.
O ENCONTRO
Seu Fernando estava deitado no sofá da sala, aconchegado embaixo do cobertor. Foi mais um amor à primeira vista. Quando Solenta se ajoelhou para cumprimentá-lo e pegou na sua mão ele começou a recitar um poema que engatou em outro que emendou em mais um. Terminou com uma recomendação: "quem tem mãe tem que zelar por ela." Solenta ficou em êxtase com tamanha receptividade. Recomendação mais do que acatada. Nesse começo de encontro, Solenta ainda estava tendo dificuldade de entender o que Seu Fernando falava e, na dúvida, olhava desesperada para Daniel, que traduzia prontamente. Ele se sentou para as avaliações da enfermeira, estava com a pressão um pouco alta, Solenta brincou: "é a emoção de me ver." Depois de examinado por Bete, estava pronto para a brincadeira. Prontidão é uma boa palavra para definir seu estado de abertura para esse encontro. Tinha uma expressão de encantamento tão marcante que Solenta ficou totalmente à vontade. Um homem que viveu guerras, "pisou em cadávares", se disfarçou de voluntário da cruz vermelha para não ser morto, que veio para o Brasil fugido da ditadura de Salazar... e que mantém os olhos encantados de uma criança ao assistir a demonstração de instrumentos fantásticos de Solenta, que dança mesmo sentado o tiro-liro-liro, e que diz: "quero te pedir uma coisa do fundo do meu coração. Quero pedir que você me dê paz, saúde e alegria!" Disse isso pausadamente, levando a mão ao coração. Ao que Solenta prontamente declamou: "paz, saúde, alegria..." Fez isso em grandes gestos, acreditando que realmente tinha o poder de oferecer isso tudo, e continuou: "pra quem mais? Pro Daniel? Ai vai: paz, saúde, alegria!! Pra quem mais? Pra Fátima? Aí vai: paz, saúde, alegria! Pra Bete? Paz, saúde, alegria. Pro mundo?... Pro universo?..." Solenta foi seguindo em um crescendo e a impressão era de que todos foram acompanhando aquele delírio e desejando que ele realmente se concretizasse. No momento das fotografias, as pilhas se acabaram, Daniel tirou as pilhas do controle remoto para emprestar mas elas também não funcionaram e então ele iniciou uma caça às pilhas que ultrapassou os limites da porta do apartamento. Saía pela vizinhança e voltava com todo tipo de pilha. Infelizmente nenhuma funcionou. Seu Fernando ficou bem frustrado com isso. Ainda bem que havia dado para tirar duas fotos antes da pilha acabar:
Solenta e Seu Fernando dançando o tiro-liro-liro
close nas mãos
Chegando a hora da despedida, Seu Fernando disse: "você é uma mulher porreta!" Solenta tomou isso como um elogio, e era. No abraço final, Solenta se ajoelhou na frente de Seu Fernando e agradeceu por ele existir. Foi a vez dele num bailar de mãos dizer: "te desejo muita paz, saúde e alegria". Solenta foi embora abençoada.
Para quem quiser ouvir o Tiro-liro-liro na voz de Amália Rodrigues
http://www.youtube.com/watch?v=y5_6FWioAXI
E/ou dançar e se divertir com o Roberto Leal
http://www.youtube.com/watch?v=wzunM1fS16A&feature=related
Oi solenta obrigado ,obrigado,obrigado ,pela atençao ,quando contei para o pai sobre a historia que tinha contado ele ja estava deitado o sorriso dele foi um grande presente que eu recebi obrigado obrigadoum forte abraço Daniel.............
ResponderExcluirÉ tudo muito giro!!!
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