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Mostrando postagens de abril, 2009

QUARTO DIA - Seu Geraldo

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 Seu Geraldo tem 91 anos, uma grande lista de males, uma perna amputada e sua mente por vezes o coloca em um passado distante. É acompanhado por uma cuidadora durante todos os dias úteis e pela esposa Zilá, ambas de uma dedicação e carinho que transbordam por todos os lados. O ENCONTRO  Terezinha tocou a campainha e voltou ao carro para buscar algo que havia ficado para trás. Solenta colocou a cara no portão e uma pessoa apontou no alto da escada, abriu um sorriso e disse: "Vou buscar a chave". Era Nazaré, a cuidadora que tinha, na cabeça, uma tiara que trazia uma fileira de corações vazados. Nesse momento, Solenta ainda não previa que esses corações e a linda rosa na floreira já eram sinais do que seria um encontro inesquecível.  Ao entrarem no quarto onde seu Geraldo se encontrava sentado na cama, Solenta sentiu como se o quarto exala-se um perfume de roupa lavada com amaciante e colocada para secar ao sol. Um cheiro de bom trato. Um quarto pequeno

QUARTO DIA - Seu Miguel

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Chegamos à frente da casa, um sobrado com uma grade que fecha toda a garagem. Sônia, a filha de seu Miguel, nos abriu o portão. Um ar de cansada e dispersos olhos azuis. Seu Miguel tem 88 anos e fica numa cama hospitalar na sala. Sala bastante escura, mesmo quando a luz está acesa. Às vezes, senta na própria cama, mas a maior parte do tempo fica deitado. A sala foi  o único cômodo da casa que Solenta conheceu. O que a fez estar presente a todos os procedimentos de enfermagem de Terezinha. Descobertas de coisas a serem cuidadas, feridas, frieiras nos pés..., uma tosse seca... A esposa de Seu Miguel, Dona Ana, não deu as caras. Era como se sentíssemos a presença de um gato acuado, se escondendo no andar de cima da casa. O ENCONTRO - ou a tentativa dele Depois que Terezinha terminou seus procedimentos, Solenta tentou chegar, mas não estava fácil. Talvez pela impossibilidade de exploração do ambiente, ou por não estar aquecida o suficiente, ou por não conseguir se libertar de um

TERCEIRO DIA - D. Magdalena

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Chegamos na frente da casa e Solenta  ficou deslumbrada com o roseiral repleto de rosas vermelhas. Pegou a máquina fotográfica e registrou aquela beleza. Tomou gosto e registrou outras tantas coisas. Dona Magdalena tem 90 anos e parece uma menininha. Quem cuida dela é seu filho Deílson. Ela teve um tombo que a impossibilitou de caminhar, anda com auxilio de um andador pelo interior da casa e até a frente, mas não sai. O ENCONTRO A casa tem um cheiro bem forte característico das coisas antigas. Esse foi o tom do encontro. Uma entrada em um túnel do tempo. Todos os sentidos despertos, tanto que é possível lembrar até os momentos em que Solenta esteve ausente, coisas que ela deixou passar.  Deílson gosta de mostrar as coisas que a mãe faz, como um tricô todo colorido feito de um novelo de restos de lã emendadas, pura poesia. Um pulóver inacabado em consequência de um problema na vista... Quando Dona Magdalena e Terezinha se recolheram para o quarto para procedimentos de enfermage

TERCEIRO DIA - S. Luis

A bela cuidadora Alessandra nos abriu o portão. Olhos verdes combinando com a calça. Olhos atentos. Cuida de Seu Luis durante o dia, à noite o filho dele está em casa. Dona Inês é a esposa, uma portuguesa com jeito de desconfiada. Seu Luis não anda e sua expressão verbal exige bastante atenção para ser compreendida. O ENCONTRO Dona Inês poderia ser repórter. Tamanho bombardeio de perguntas a toda hora puxava a Mônica que existe na Solenta. Isso levou a um encontro extremamente verbal sem muita graça e surpresa, um encontro quase cotidiano... Sim, houve momentos de suspensão da falação, com a pequena gaita, o instrumento de terras longínquas e principalmente com a caixinha de música que deixou-os encantados. Seu Luis admirava a vestimenta da Solenta e dizia "Tá tudo combinado". Ele estava ligado em tudo, prova disso é que quando ouviu Terezinha andando da cozinha para o corredor, disse: "Cuidado com o degrau". Precisou repetir isso algumas vezes até que pudéssemos

SEGUNDO DIA -Seu Saturnino

Cristiane a sobrinha abriu o portão e   já  nesse momento foi possível pressentir mais uma cuidadora sofrida e sobrecarregada. Seu Saturnino é o paciente do PAD, respira com ajuda. Recepientes de oxigênio se enfileiram na entrada do quarto. Benedita - Benê a esposa , tem sobrepeso e dificuldade de caminhar, fica deitada na cama ao lado dele.  O ENCONTRO Terezinha entrou apresentando Solenta. Benê já foi logo dizendo que a palhaça seria bom para Seu Saturnino, marcando território, como quem diz "Me deixa aqui no meu canto que eu quero saber de coisas mais sérias como - a quantas anda a reforma do hospital, é possível conseguir uma consulta para tal médico... " Mas, aos poucos ela foi se entregando ao momento, às vezes ainda dispersava fazendo perguntas para Terezinha, mas até o final do encontro já estava mais a vontade com a presença da palhaça. Seu Saturnino se entregou logo de cara. Falou, falou e falou. Solenta ouvia atentamente, fazia graça  a toda hora mas ouvia atenta

SEGUNDO DIA - Seu Paulo

Bem que a Terezinha avisou: A casa é bem cuidadinha, cada detalhe pensado no capricho...  Um cremoso suco de maracujá estava sendo feito por Irene, a esposa do Sr. Paulo, Solenta já foi logo degustando aquela delícia. O cuidado com a casa reflete no cuidado esmerado que Irene dedica ao Sr. Paulo. Ela tem regularmente a ajuda do irmão, o que possibilita que ela possa ter momentos de respiro do ofício de cuidar. Sr. Paulo se comunica com os olhos, levemente com a cabeça e esboça um beijo quando solicitado. O ENCONTRO Solenta aparece no quarto. Seu Paulo olha. Parece um olhar de espanto, espanto bom ou espanto ruim?  Como saber? Todo um modo de comunicação que é ainda uma grande incógnita para Solenta. As vezes um embaraço, um medo de estar sendo inconveniente.   De repente, surge a pergunta: "Como vocês se conheceram?", feita por Terezinha. Solenta se surpreende com a pergunta que parece ter saído de sua própria  boca. Irene puxa o fio da história. Lá no Cartório Eleitoral de

SOLENTA E OLÍMPIO

14 de abril de 2009. Solenta fez participação no espetáculo Sacoletras de seu grande parceiro Olímpio. Ih, primeira vez que ele aparece aqui. Então se quiserem saber um pouco mais dessa amizade secular, podem dar uma olhadinha no http://www.lospatos.com.br . Era uma platéia encantadora. Dessas que dizem SIM o tempo todo e vão se arriscando junto aos palhaços, se divertindo. Mesmo com uma luz precária - foi em um cinema - o que dificulta um pouco a relação mais próxima do "olho no olho", as pessoas todas pareciam estar bem junto e bem dispostas a brincar. E olha que isso foi às 8 e meia da matina. Imagens como a dos dois meninos de farta cabeleira fazendo a dança da chuva são dessas que jamais sairão da mente/corpo. Ou a do Olímpio entregando a flor, improvisada com papel higiênico para a moça da platéia. Penso agora que a configuração do espaço num formato de quase estádio de futebol de tão inclinado, o que a princípio era um pouco assustador, foi na verdade acolhedor, pois é

Le professeur, l'élève et la grandmère Nair

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A convite da querida amiga Juliana, os palhaços Solenta  e  Capitaine foram visitar avó dela, Nair, que acaba de completar 90  anos. Antes de mais nada, há que se dizer que essa é apenas a terceira vez que Solenta e Capitaine se encontram fora do espaço entre quatro paredes das aulas de francês. A primeira vez foi quando se conheceram em uma saída orientada pela mesma querida Juliana, no parque do Ibirapuera. A segunda, em uma aula pic nic, também no parque do Ibirapuera (experiência incrível). Bom, voltando ao dia 07 de abril de 2009. Solenta, que já não é mais tão lenta, chegou antes do professor. Já na rua aconteceram coisas incríveis e, ao chegar em frente ao prédio, o porteiro disse: "Acho que é aqui". Quer recepção melhor que essa? Lá, Solenta esperou o professor. Era uma verdadeira sala de espera, repleta de passantes (moradores, entregadores, trabalhadores...). E assim, de turbinas aquecidas, Solenta recebeu Capitaine. Feliz de encontrar o parceiro de viagem! E assim,

O PRIMEIRO DIA - IMPRESSÕES

Para além da descrição, da narrativa do ocorrido em cada visita do PAD, que já é coisa por demais de difícil, existe, também, uma série de pensamentos, sensações e observações que gostaria de conseguir escrever. A possibilidade de entrar nas residências , no mundo dessas pessoas, seus pertences, seus retratos, suas intimidades,  a forma como se organizam para acolher as dificuldades e limitações, é algo que permite acessar mais rapidamente o universo de cada uma delas. E isso abre portas...Portas da memória, da história pessoal e familiar, da singularidade de cada ser. É assim que o palhaço pode mais facilmente encontrar os ganchos para uma relação verdadeira com  o paciente e seus cuidadores. Assim, essas pessoas  podem se sentir vistas e ouvidas verdadeiramente. Esse trabalho miúdo, corpo a corpo, respiração a respiração  possibilita encontros verdadeiramente densos e até mesmo transformadores. Transformadores de estados, energias e ....   e tanto mais que ainda nem sem nomear. Que

O PRIMEIRO DIA - A SEGUNDA VISITA - Sr. João

Um calor exaustivo e a sensação de que poderia ficar elaborando a primeira visita pelo resto do dia, mas eu mesma pedi para serem duas nesse primeiro dia, então, vamos lá... Respira fundo que nem tudo são flores. Na segunda visita a recepção de cara não nos pareceu favorável. Dona Neli cuida sozinha de Seu João. 24 horas por dia, 7 dias por semana. Exausta, desamparada, desalentada... A sensação de que éramos um estorvo.  Terezinha   apresentou a palhaça Solenta e iniciou os seus procedimentos, que foram mais longos do que o esperado pois Seu João estava  com feridas que precisavam de uma atenção especial e Dona Neli precisava de uma orientação para cuidados posteriores. Solenta ficou na sala, esperando, olhando porta retratos, buscando brechas de abertura para conseguir acessar e sensibilizar Dona Neli. Esse caminho foi longo mas recompensador quando a fresta se abriu.... O fio foi o da cidade natal  deles:  Exu em Pernambuco, cidade de Luiz Gonzaga. E assim, o "Rei do Baião"

O PRIMEIRO DIA - A PRIMEIRA VISITA - Sr Kaji

Prometo que só vou escrever isso uma vez: É impossível registrar um milésimo do que é cada experiência e eu fico sempre com a sensação de que estou sendo leviana com o tanto que fica de fora. Mas lá vou eu com o menos de um milésimo que consigo escrever, descrever. A primeira visita, toda a ansiedade, a agonia, a felicidade e o medo. Troquei de roupa e me maquilei no banheirinho do hospital e esperei minha parceira, a enfermeira Terezinha, para rumarmos para nosso imponderável encontro.  Aquecendo as entranhas, o caldeirão interno... Chegando para as pessoas. O recepcionista do hospital Valdenor, o camarada Vanderlei que levou a mala até o carro, a moça ao telefone... cada um ao seu modo, pondo lenha pra aquecer esse caldeirão. O motorista Mauro que rapidamente entrou no jogo ajudando no aquecimento. Pausa para Terezinha contar um pouco sobre os pacientes e suas famílias. Nem vi o caminho se me pedirem para voltar nas casas eu não poderia pois quando dei por mim já estávamos na porta d

PAD Palhaço - Construindo um Caminho

Há 11 anos atrás, quando vi pela primeira vez o maravilhoso palhaço catalão Tortell Poltrona, criador da organização "Payasos sin fronteras", fui acometida de um "querer". Esse querer era o de participar de uma missão , como palhaça, para qualquer parte do mundo. O Payasos sin fronteras hoje existe em vários países e sua missão é "velar e melhorar as condições psíquicas em que vivem as pessoas, particularmente, meninas e meninos dos campos de refugiados, territórios em desenvolvimento e em situações de emergência em todo o mundo". Sempre disse para mim mesma que esse desejo de viajar para um lugar distante, para uma missão na África, Haiti, Kosovo...tinha muito mais a ver com uma vontade de crescimento pessoal do que achar que eu seria mais útil do outro lado do mundo do que em meu próprio país. Mas, nesse tempo, não deixei de pensar no que eu poderia fazer por aqui. E nessa trajetória, fui tendo idéias que cada vez deixavam mais próxima a concretizacão