SÉTIMO DIA - Dona Francisca



Dona Francisca tem 62 anos e  é a mais nova paciente do PAD. Ao visitá-la na quarta-feira fazia apenas dois dias que ela havia saído da internação e voltado para casa. Ela está com sonda para receber alimentação subcutânia mas está conseguindo se alimentar via oral. A casa estava cheia: irmãs, marido, filhos e netos. Precisamente dos 8 aos 8O. Oito meses...

O ENCONTRO

Quando chegamos, Seu José, o marido, nos esperava na garagem da casa. Começaram as apresentações da família, treze pessoas além de Dona Francisca. Solenta se sentiu em casa com uma família tão grande e tão acolhedora. Dona Francisca a recebeu muito bem e parecia muito satisfeita com a visita inesperada. Quando Terezinha ficou com Dona Francisca para seus procedimentos de enfermagem, Solenta foi para cozinha onde se encontrava toda a família. Impossível relatar todas as maravilhas desse encontro em que todos estavam muito envolvidos e verdadeiramente presentes. Contaram histórias da Paraíba, terra natal da família, e finalmente Solenta pode ter certeza do nome de seu instrumento paraibano, o rói-rói, e também tomar connhecimento de outros brinquedos da infância de Seu José, como o "burrica", uma espécie de gira-gira feito de paus improvisados e de que Dona Maria de Lourdes e Dona Maria da Luz, irmãs de Dona Francisca, também se lembraram. De repente, alguém falou que Solenta lembrava a tia Nenê, irmã de dona Francisca que mora na Paraíba e que está esperando Maria de Lourdes voltar para lá para que ela possa vir. "Nossa, é mesmo!" "Essa blusa, ela tem uma igualzinha!" "O jeito, o corpo, parece que é até do mesmo tamanho"... Foi uma concordância geral. Solenta, que já estava se sentindo em casa, disse: " na verdade, eu sou a tia Nenê! Só me disfarcei para fazer surpresa." E realmente a sensação era de pertencimento a essa família tão amorosa. Solenta voltou para o quarto, para junto de dona Francisca e ajoelhou-se ao pé da cama para ficar bem pertinho. Eh coisa boa, Dona Francisca gosta de abraço! Puxando sua memória musical, Solenta foi presenteada com hinos e cantiga de pastorinhas. Cantou baixinho mas com muito sentimento.  Nesse momento, estava sozinha com ela no quarto e da cozinha vinha som alto de conversa entre muita gente, até parecia que eles não estavam ligados com o que se passava com elas ali dentro. Só parecia, pois quando Dona Francisca terminou de cantar a primeira música, todos ovacionaram a matriarca. Sim, eles estavam completamente ligados a ela. Era um fio invisível mas imensamente forte. Dona Francisca convocou seu José. "Oh nego, oh nego canta aquela música que tu gosta de cantar: violão, companheiro dileto..." (música de  Nelson Gonçalves). Ele disse "essa não, essa é muito triste" e então cantou um trecho de Asa Branca. Depois ele cantou uma canção que disse ser como um hino da Paraiba, não o hino oficial, mas uma música linda, que além de ressaltar as maravilhas da terra, é uma declaração à mulher paraibana. Foi uma declaração de amor para Dona Francisca. E chegou a hora do lanche e nos foi oferecido um delicioso bolo de abacaxi feito por Seu José, confeiteiro de ofício, mais de quarenta anos de profissão. Estava supremo e Solenta já queria até fazer uma encomenda para levar pra casa. O bebê Tiago, que dormia ao lado da vó, despertou e, calminho calminho, se debruçou nas pernas de Dona Francisca e lá ficou prestando atenção em todos e em tudo, completamente aconchegado no calor da vó.
Uma gostosura!

Novamente na cozinha ainda foi possível brincar de assobios. É que nas apresentações iniciais Bia se apresentou como Sôbia, fazendo uma brincadeira com o nome da Solenta. Sôbia virou assobia, especialista em assobiar. Solenta, que só sabe assobiar para dentro, tentou aprender assobiar para fora. Marceli foi a professora. Guto, como Solenta, também só conseguia para dentro... 
Momento de ir embora se aproximando e sem tempo para uma despedida de meia hora com cada um. Cláudia, Claudio, Claudineide, Vânia, Guto, Bia, Carol, Marceli, Tiago, Maria da Luz, Maria de Lourdes e Seu José. Uma pena não ter conseguido acolher algumas comoções que emergiram. Mas um beijo, um abraço, uma observação foi possível com cada um. Já indo embora, quiseram mostrar o retrato de Dona Francisca na parede da sala. Um quadro enorme de quando ela tinha 18 anos. E aí mais um tempinho para seu José contar quando  a conheceu . Uma linda história de amor que já dura 43 anos. Solenta foi embora com a sensação de que eram amigos antigos, sempre os conheceu, a vida toda.

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