SEXTO DIA - Dona Joana


Ao chamarmos no portão veio uma voz de dentro: "Um minuto, por favor". Era Lúcia, a filha de Dona Joana que mora na casa em frente com suas filhas e que cuida da mãe na parte da tarde, depois que a cuidadora vai embora. Dona Joana tem 83 anos e está acamada há muito tempo decorrente de um AVC. Ela se comunica verbalmente e fica em um quarto, separado das outras casas do terreno,  onde dorme sozinha. 

O ENCONTRO

Lúcia foi prender o cachorro que latia desesperadamente como o mais  feroz dos cães. Pura fita, pois Popó conseguiu escapar e veio atrás de Solenta e Terezinha com o rabo abanando. Foi uma confraternização. Solenta ama cães, gatos, coelhos, papagaios... Quando Terezinha foi entrar no quarto de Dona Joana ela estava fazendo suas necessidades fisiológicas (o número 2), em um "trono" improvisado ao lado da cama. Terezinha chamou Lúcia para ajudá-la. Enquanto isso, Solenta e Terezinha ficaram admirando e fotografando as orquídeas que estavam na frente da casa.

 

Muitas orquídeas


Popó, depois dos afagos recebidos, completamente entregue ao calor do sol

  O inicio do encontro não foi muito fácil, Dona Joana estava bem aborrecida. Encontrava-se sozinha em um momento em que necessitava de ajuda e ainda por cima a visita chega e a surpreende naquela situação. E para completar, Terezinha falou para Solenta não esquecer do recado que haviam pedido para ela dar: "para a senhora não ser ranzinza comigo". Solenta engasgou para dizer isso, sabia que esse não é um bom caminho para se abrir um coração e lá veio a resposta, ela quase expulsou Solenta do quarto (eu faria o mesmo!). Antes da expulsão derradeira, Solenta teve tempo de consertar: "na verdade, eu estou aqui porque me disseram que a senhora é encantadora!" "Como assim encantadora?", respondeu ela num tom bem bravo. Solenta desfilou uma série de elogios, ela ouviu, achou interessante mas estava mais interessada nos cuidados de enfermagem e pediu para Solenta dar licença. Depois que Terezinha terminou sua rotina, Solenta voltou para junto da cabeceira de Dona Joana e disse que tinha um segredo para contar para ela e chegando bem perto dela disse: "a senhora sabe a origem da palavra enfezada." Ela fez uma cara de "tá me chamando de enfezada?" E Solenta já foi logo emendando: "é quando a pessoa fica assim muito tempo sem...sem...a senhora sabe né?" E assim, meio sem falar falando, misturando uma mímica tosca com a fala incompleta, Solenta conseguiu passar a mensagem. O rosto de Dona Joana se iluminou e ela respirou aliviada: "pois não é, minha filha, fazia dois dias que eu não conseguia..." Dona Joana hora chamava Solenta de "minha filha", hora a chamava de "doutora", dependendo do assunto em questão. Se era causo de doença, males ou reclamação, era doutora, se era caso de lembrança boa,  observação ou diversão, era minha filha.
Outra coisa que estava incomodando demais Dona Joana era a falta de sua prótese dentária. Ela estava muito constrangida e reclamava a toda hora. Quando ria, levava a mão à frente da boca para cobrir seu sorriso, que era tão lindo mesmo sem seus dentes. Ela ficou encantada com todos os instrumentos desfilados por Solenta. Em alguns momentos, ela gargalhou, escancarado, até se esquecendo de levar a mão à boca. Um deles foi quando Solenta começou a cantar para ela a cantiga de roda: "Ciranda cirandinha vamos todos cirandar, vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar. O anel que tu me destes era vidro e se quebrou. O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou." Quando Solenta terminou de cantar, caiu num choro escrachado de palhaço repetindo: "... o amor que tu me tinhas era pouco...buááaá!" Dona Joana gargalhou e disse: "minha filha, eu fazia igualzinho você quando eu era jovem." E seguiram com mais algumas canções. E ela, que antes dizia não conhecer música nenhuma, tinha sempre uma observação a fazer ao final da cantoria.
Foi um encontro maravilhoso! Conseguimos juntas atravessar nossas dificuldades.

 

 

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