Reiko San



Apesar do sol, o dia estava frio e Reiko San estava no terraço em sua cadeira de rodas. Natalina, a filha estava fazendo as unhas dela. Como da outra vez, estava impecavelmente bem cuidada, tanto que levou um tempo para Solenta perceber um hematoma que ela trazia no lado direito do rosto, resultado de uma queda.  Perto de Reiko San, Solenta parece desacelerar. Entra em um outro ritmo, outro pulsar. Começou entregando para  Reiko San o presente que havia feito para ela: um mini-travesseiro com um tecido azul de bolinhas brancas, igual ao de sua blusa, transformado em imã de geladeira. Solenta preparou esse regalo para ela pois uma das atividades dela é ir colocando imãs de diversas formas e cores em um quadro de metal. E, mais uma vez, Solenta não teve a menor noção se ela havia gostado do presente ou não. Ela pegou o imã, Natalina foi buscar o quadro para que ela o grudasse nele, mas ela não esboçou nenhuma expressão nem de agrado tampouco de desagrado.


O quadro de metal, os imãs e a sombra de Reiko San




Solenta resolveu mostrar a segunda surpresa que havia levado e, muito delicadamente, como quem destampa um baú de tesouros,  foi abrindo a sombrinha japonesa de bambu que sua mãe ganhou "há 50 anos atrás."  Para Solenta aquela sombrinha é  uma das coisas mais preciosas do mundo. Natalina admirou o objeto e Reiko San? Como saber? Solenta pegou seu minúsculo ipod, colocou para tocar uma música tradicional japonesa e pediu para Natalina segurá-lo colado ao ouvido de Reiko San pois o som estava muito baixo. Desajeitadamente, improvisou uma dança japonesa com a sombrinha. Depois pegou outra sombrinha e um chapéu de bambu igual ao seu para Reiko San dançar com ela. Ela ficou segurando a sombrinha. Depois foi Natalina quem pegou a sombrinha e ensaiou uns passos de dança.


 Solenta ficou encantadíssima.  Aproveitando a brecha da música, Natalina disse que Reiko San adorava cantar e cantava muitas músicas de ninar em japonês. Natalina se lembrou do começo de uma canção infantil e Reiko San a ajudandava a se lembrar do resto. Foi um momento lindo. A voz de Reiko San bem baixinha, mas lá, presente, e servindo de guia para a memória de Natalina. Ao final, Natalina disse que elas adoravam cantar enquanto lavavam roupa mas que pararam pois o vizinho não gostava. A enfermeira Ivy perguntou: "como assim não gostava? Ele veio reclamar?" "Não, ele bateu a janela com força." Solenta olhou para Ivy, Ivy olhou para Solenta  que disse: "Mas pode ter sido o vento!!!" Ivy disse: "Eu pensei a mesma coisa." E Solenta continuou: "Não pára de cantar não. É tão bom, faz tão bem, você tem a voz tão linda..."
Pelo meio do encontro Reiko San disse: "Vem  domingo, tá todo mundo em casa!" Ela sempre surpreende Solenta com esses pequenos sinais de que está presente ao encontro. Ivy conseguiu tirar uma foto dela sorrindo e deu a máquina para ela se ver. Ela ficou um longo tempo olhando para a foto. Num determinado momento disse: "Tá magra!" Ivy falou para Natalina da importância delas verem fotos antigas juntas e Solenta delas cantarem juntas. A sombra foi chegando ao alpendre e já estava começando a esfriar. Hora de entrar. Ivy e Natalina a levaram para dentro enquanto Solenta terminava de juntar suas coisas. 
Dentro da casa, Natalina a colocou na cama. Uma cena de preocupar e enternecer. Natalina pega Reiko San nos braços como se fosse um bebê. Um grande bebê. E isso nos faz ficar preocupadas com a coluna coluna dela. Na despedida, mais uma vez Reiko San surpreende: "É cedo! Volta domingo. Tem mais gente. Dia de semana é difícil." Tudo isso dito em japonês e traduzido pela filha. Mais uma vez Solenta vai embora feliz, não sem antes poder apreciar mais um tesouro. Natalina, que acompanhou Ivy e Solenta até o andar debaixo, ainda teve tempo de mostrar, dizendo com orgulho: "a minha arte!" e apresentou uma linda toalha, bordada com tanto esmero que nem parecia um trabalho manual, tamanha a perfeição de cada ponto.  Linda!
Áudio da música cantada por Natalina e Reiko San


Reiko San se vê na foto


A gatinha Belina investiga cheiros e trecos da mala de Solenta

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