SEU KAJI - O RETORNO



Seu Kaji foi o primeiro paciente que visitei e quando ao final do primeiro registro escrevi que o encontro tinha sido um bom abre alas para o trabalho que estava se iniciando, eu falava de um desejo mas não sabia exatamente o que viria pela frente. Pois bem, ele realmente foi um sinal de como as famílias amorosas acolhem com extrema gratidão o trabalho do PAD e também a presença de um palhaço, no caso, uma palhaça. Ao contrário das primeiras visitas em que a apresentação da palhaça era surpresa, no retorno, as famílias são avisadas. E é sempre uma delícia a sensação de estar sendo esperada.  Solenta também espera ansiosamente cada retorno. Com a família de S. Kaji, o retorno tomou proporções de grande celebração. Dona Maria, a esposa de S. Kaji, além do eventual café da tarde que sempre serve para a equipe, com um delicioso tempurá de batata doce, também encomendou salgadinhos. Café, chá, leite, bolo de milho, pães e frios... uma mesa farta que nos fez querer esquecer os compromissos que se seguiam.
O ENCONTRO
Quando o carro estacionou na frente da casa, Solenta já intuiu que o encontro não caberia no tempo que tinham disponível. Lá estavam  duas crianças que não estavam no primeiro encontro.  Maria Eugênia e Gabriel são netos de S. Kaji, filhos de Kátia. Aguardavam na frente da casa e Gabriel, quando viu o carro, correu para dentro da casa, certamente para anunciar nossa chegada. Maria Eugênia recebeu Solenta com sorriso, abraço e simpatia. Era como se já se conhecessem. Dentro da casa,  S. Kaji cochilava, na cama, com o jornal do dia no colo. A casa estava cheia. Solenta pôde conhecer Dona Maria, que não estava no primeiro encontro. Kátia também chamou seu filho mais velho, Lucas,  já adolescente, para apresentar. Solenta cumprimentou a todos e S. Kaji despertou do cochilo. Ficaram felizes de se reencontrarem. Solenta entregou a ele o presente que levou: o porta-retrato pintado por ela com uma foto dos dois. Levou, também, mais duas fotos de todos da família que estavam na casa no encontro anterior,  além dela mesma, Terezinha e o motorista Mauro. As fotos foram passando de mão em mão, com todos admirando. A família se mobilizou para colocar S. Kaji na cadeira de rodas para que ele pudesse ficar sentado durante a visita. E tanta coisa aconteceu... Solenta mostrou a outra surpresa que havia preparado. Levou uma gravação do hino do Japão e uma cola da letra para cantar junto. Ao final, S. Kaji declarou: "é a música mais bonita do mundo" e Solenta concordou, repetindo as mesmas palavras. Depois, ela improvisou um dança japonesa com seu chapéu-leque. Antes de cantar o hino, Solenta colocou uma faixa com escritos japoneses na cabeça. Começou colocando de ponta-cabeça e foi avisada por Dona Maria.  Solenta resolveu perguntar o que estava escrito na faixa. Eram quatro ideogramas, um que representava a montanha, outro, o vento, um terceiro, o fogo (e Maria Eugênia até brincou que parecia um homenzinho fazendo a dança da chuva)  e um quarto que ninguém sabia o que significava. Foi a deixa para Solenta dizer que eles tinham a missão de descobrir o que significava aquele quarto. Dona Maria sabiamente disse: "é bom deixar uma coisa para poder voltar outra vez".  Douglas anotou num caderno e Solenta anunciou que voltaria para cobrar a tarefa. Maria Eugênia também fez uma dancinha que ela disse que era meio egípcia. Solenta filmou e fez um fundo musical que não combinava muito. Gabriel quis ensinar passos de capoeira. E dá-lhe Solenta se enroscando nas pernas, na saia. A pequena Yasmim, que no primeiro encontro tinha nove meses e hoje tem um ano, despertou de seu soninho da tarde. Só que dessa vez se assustou tanto com a figura de Solenta que era impossível chegar perto dela. E o encontro seguiu com S. Kaji sendo mais espectador de toda a interação de Solenta com sua família do que tendo ele mesmo como centro. Mas ele parecia bem com isso. A hora avançou rápido e já era hora de ir embora, mas era impossível fazer a desfeita de não ficar para o café da tarde preparado com tamanha dedicação. E assim Solenta consultou Terezinha, consultou o motorista Nivaldo e, como eles deram o sinal verde, se entregou tanto àquele momento maravilhoso de acolhimento e bem querer que nem mais quis saber do relógio. Somente se deliciou com as companhias e quitutes. Na despedida, Gabriel e Maria Eugênia ainda estavam querendo ensinar passos de Capoeira e Aikido e Solenta resgatando suas coisas que estavam espalhadas pelos sofás. Antes de partir, ainda fizeram a foto oficial com a máquina disparando sozinha.

Dona Maria, Solenta, Márcia, Lucas, Maria Eugênia, S. Kaji, Gabriel, Kátia, Douglas com Yasmim e Terezinha


No portão, aquela cena que Solenta adora, boa parte da família junto à grade acenando até o carro sumir de vista.

Comentários

  1. Querida Solenta, boa noite

    Não poderia deixar de fazer um comentário, tivemos conhecimento de seu blog logo após o falecimento de papai, o Sr. Kaji, ele resolveu iniciar uma nova vida no primeiro dia deste ano, no próprio HU o Hospital Universitário da USP. onde tudo começou há 10 anos atrás, quando em todos os plantões ouvíamos que papai não conseguiria superar o dia seguinte.

    Papai superou valentemente e graças a dedicação, carinho, humanidade da equipe do PAD, os dez anos que se seguiram foram de muita união, superação e lição de vida para todos nós (a nossa família é grande e se tornou mais unida ainda)e na adversidade é que esta lição ficou mais intensa, papai mesmo limitado em suas atividades físicas, nos deu uma lição de dignidade e nos ensinou que o respeito ao outro deve ser preservado, mantendo até o fim a sua peculiar individualidade (estava sempre limpinho e cheiroso e não gostava que passasse as mãos em seus cabelos brancos.

    As visitas da equipe do PAD eram como injeção de ânimo e segurança para nossa família, pois papai tinha nosso carinho e a atenção sempre segura, eficiente e eficaz da equipe coordenada pelo Dr. Cláudio, as enfermeiras Ivy, Bete, Terezinha e todos os demais profissionais que compartilharam conosco esta rica etapa de nossas vidas, pois cada momento das visitas foram preciosos para nossa família. Mamãe, Vilma e Kachia foram as que mais conviveram diretamente.

    Sou administradora hospitalar e gostaria que este Programa pudesse ser multiplicado e sua filosofia se tornasse realidade na Assistência à Saúde, não há luxo, há competência, profissionalismo, seriedade, dignidade humana, respeito ao paciente e à família e fraternidade.

    Solenta, desculpe usar seu blog para agradecer a a todos e a você, obrigada por trazer momentos de ternura e alegria.

    Um grande abraço de toda Familia Kaji

    Ilka Yuriko Kaji

    Parace-nos que nos momentos

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  2. Olá Ilka,

    Mais de um ano se passou e só agora vejo sua mensagem. Muito tocante, densa e sincera. Eu que devo agradecer a toda sua família que sempre nos recebeu com tanto carinho. Jamais esquecerei das visitas. Como escrevi em uma resposta para a Carolina (sua filha? sobrinha?), S. Kaji foi o primeiro paciente que visitei e de certa forma a receptividade dele e de toda a família me fizeram acreditar que esse trabalho realmente faz sentido e é necessário. Por isso tudo eu que agradeço profundamente a todos vocês.
    Abraços a todos

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