S. Euripedes

Retomando a escrita, muito tempo depois da visita. O lado bom é que só vou registrar o sumo do encontro, o lado ruim é que pequenos detalhes, que ao final são o que constituem o maior sabor das narrativas, já estão perdidos no mar de coisas vividas nos vinte dias que separam o vivido desse registro.

Seu Eurípedes tem 66 anos e está acamado em decorrência de um AVC.

O ENCONTRO


Quando eu e Terezinha chegamos em frente à casa, encontramos algumas pessoas sentadas em um banco que depois soube ter sido feito por S. Eurípedes. Uma das moças perguntou: "Vai visitar o Ripão?" Logo perguntei: "quem?" E a moça respondeu: "Seu Eurípedes, o Ripão! Não sei se ele vai gostar de você, ele gosta é de loira." Eu disse para ela que isso não era problema, que da próxima vez levaria uma peruca para ficar mais do gosto dele. Depois de algum tempo, D. Iraci, esposa de S. Eurípedes, veio nos atender. Ela tinha a expressão fechada e parecia um tanto cansada. Ela nos levou até o quarto dele dizendo que ele estava dormindo e que ainda não havia almoçado. Quando chegamos lá ele já estava acordado. Terezinha entrou primeiro dizendo que havia levado uma surpresa para ele. Ele me olhou com uma expressão enigmática mas me recebeu muito bem. Terezinha e D. Iraci se retiraram e eu fiquei sozinha com S. Eurípedes. Não foi possível entender nenhuma palavra que ele tentou falar, mesmo assim consegui captar algumas coisas que ele dizia como, por exemplo, que foi ele que construiu a casa. Claro que conseguir entender isso se deu porque antes eu já havia tido algumas pistas sobre seu ofício. É que quando dei a mão para cumprimentá-lo, ele a segurou com muita força e eu verbalizei: "nossa, que força o senhor tem!!" E D. Iraci, nesse momento, disse que era porque ele estava acostumado a pegar no martelo. Durante o encontro, mais de uma vez, tive a impressão de que ele estava tendo alucinações, pois olhava para o teto, gritava e fazia uma expressão de medo, como se estivesse sendo atacado por algo. Apresentei alguns de meus brinquedos para ele mas eu estava bastante incomodada com o fato de ele não ter almoçado, pois eu ouvia sua barriga roncando e uma das coisas que pude entender foi que ele pedia comida. Por isso tudo e mais a sensação de que nesse dia não estava muito palhaça, ou seja, não estava conseguindo atingir um estado que na nossa profissão chamamos de "extra-cotidiano", estado em que a relação com as pessoas e com as coisas ultrapassam o corriqueiro e o senso comum, por isso tudo, senti que esse encontro esbarrou no desnecessário. Sei que muitas vezes tenho uma auto-crítica muito aguçada e que o simples fato de um paciente ser visitado por um palhaço já é algo surpreendente que desencadeia uma série de conexões internas que jamais teremos a capacidade de medir, nomear e aquilatar, mesmo assim não me senti muito alimentada pelo encontro e sinto ter pouco alimentado também. Espero que o retorno seja melhor.





"Que mãos fortes o senhor tem!!!"

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Seu Geraldo - Terceira Visita

Pio - Primeira Visita