S. Fideliz Sanches - Primeira Visita

Depois de retomar as visitas do ano com uma paciente já conhecida e muito querida, Candinha, retomo agora ao encontro de novos universos.
O primeiro, S. Fideliz, um senhor de 92 anos que se encontra em uma cadeira de rodas, em decorrência de uma fratura no fêmur. Além disso, também tem alzheimer, diabetes e pressão alta.

O Encontro

A presença da palhaça em uma visita do PAD é sempre uma surpresa. Nunca comunicamos antes para que não se crie nenhuma expectativa anterior e para que o acolhimento a essa situação tão inusitada possa acontecer ali, no momento presente, com as emoções que brotam. Nessa casa, essa surpresa causou um alvoroço um tanto barulhento que incomodou profundamente o paciente. É que a filha, Maraíza, e a cuidadora contratada, Régila, ficaram bem agitadas, correram para chamar a outra filha e o neto de S. Fideliz. Ele protestou, pediu respeito dizendo: "eu já sou uma pessoa de idade avançada, parem com esse tumulto." E continuou: "vocês vieram aqui para quê? Para me examinar?" Logo, todas nós nos colocamos cada qual em seu lugar. A filha e o neto voltaram para o local de onde vieram, eu me sentei na beira do sofá bem longe dele, Régila e Maraíza começaram a falar sobre o estado dele e Terezinha começou a examiná-lo. Pressão, respiração, ferida. Pronto, S. Fideliz voltou a ser o centro das atenções, tudo ficou mais calmo e só então ele apontou para mim e perguntou: "como é que ela se chama?" E Terezinha respondeu: "Solenta." Depois de uma pausa, ele disse: "quer dizer que ela está com sono?" Fez-se uma pausa e ele começou a rir. Só então todos perceberam que ele estava brincando com meu nome e essa foi a "deixa" que significava: "pronto, agora pode se aproximar." Nessa altura, eu já hava percebido que não poderia fazer muita estripulia, que minha função ali era ouvir as histórias que ele teria para contar. E assim foi, comecei perguntando pela origem de seu nome e sobrenome. Então ele contou que era descendente de espanhóis e italianos. Primeiro falou que eram os pais, depois, que eram os avós que haviam vindo de fora. Disse que era italiano por parte de mãe e espanhol por parte de pai, e depois falou que era ao contrário. Só sei que não consegui ter certeza de nada. Régila teve que ir embora e Maraíza foi para a cozinha para conversar com Terezinha. Algumas coisas que ele dizia a respeito de sua história, Maraíza o corrigia, falando lá da cozinha. Outras, provavelmente ele se lembrava bem. Na pasta dele havia uma anotação de que ele não se lembrava, que tinha seis filhos. Mas nesse dia ele se lembrou de todos e de seus nomes também. Maraíza disse que ele não fala muito da esposa (mãe dela) e parece que nem lembra direito onde se casaram. Mostrou um retrato do dia do casamento dos dois e eu comentei que ele era um "tipão", muito bonito. Quando disse que veio de Dourado e que lá trabalhava na roça, perguntei se essa cidade era no Mato Grosso do Sul e ele prontamente disse que não, que fica no estado de São Paulo, perto de Jaú. Depois, ao perguntar se ele gostava de assistir TV, acabei descobrindo que ele gosta mesmo de rádio e que é um torcedor fanático do Corinthians. Ele pode se esquecer de muita coisa mas, ao que parece, jamais se esquece do placar dos últimos jogos de seu time favorito. Foi engraçado quando Maraíza pegou o rádio e deu na mão dele e ele não viu sentido nenhum naquilo e pediu para que ela o guardasse. Ela pegou da mão dele e colocou na beirada do sofá, ele pediu para ela guardar, ela não ouviu e foi para a cozinha. Percebi que ele ficou extremamente incomodado com aquilo. Não só porque expressou isso verbalmente mas também porque a toda hora olhava para o rádio e fazia uma careta. Fiquei imaginando, pelo pouco que vi dele, que deve gostar de cada coisa em seu lugar e, quando isso não acontece, fica bem perturbado. Outra coisa interessante que aconteceu foi que Maraíza trouxe um pequeno album de fotos, recentes mas anteriores à fratura que ele sofreu. Ele começou a apontar as pessoas das fotos e falar quem eram e seus nomes. Quando chegou em uma foto de um filho dele, disse que aquele era ele próprio. Nesse momento, apontando para a imagem dele, eu disse: "como assim, se o senhor já me disse que é esse outro aqui?" Ele olhou e falou: "é..." Mas pareceu que ele não teve muita certeza naquele momento, pareceu que ele achava que era os dois: o mais jovem e o mais velho. Provavelmente porque seu filho se parece com ele quando tinha a mesma idade. Várias vezes S. Fideliz falou de quanto é empenhado em fazer exercícios para melhorar sua condição, principalmente ficar de pé, se apoiando na grade da frente da casa.
O encontro, apesar do susto inicial, foi muito gostoso, e eu adorei esse jeito dele, que mistura braveza com bom humor com a maior naturalidade.
Agora é aguardar para saber como será a próxima visita.




As fotos em que ele dizia que o filho era ele próprio.
A cuidadora Régila e S. Fideliz

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